domingo, 6 de agosto de 2017

Fizeram do meu assassino um herói

Eles empurram-me para um sítio novo, apertado. Consigo cheirar o sangue do meu irmão, fico preocupado. Não gosto de estar aqui, é apertado. E este cheiro... este odor ao suor do meu pai, ao medo do meu irmão. Foi para aqui que os trouxeram afinal? Espero que estejam bem e que os reencontre em breve. 

A porta abre-se. Finalmente, preciso de esticar as pernas e caminhar um pouco. Começo a andar pelo chão de terra batida, contente. Onde está a erva para eu comer? Olho pela primeira vez em volta e vejo-os, os humanos. Sentados, à espera de algo. Porque estão aqui? Fazem tanto barulho... Este sítio de terra batida não é grande, não tem saída. Dou uns pinotes para descontrair. Que mal me pode acontecer? Tenho fome, espero que os humanos me tragam comida em breve. Olha, ainda bem que já chegou, veio a cavalo. 

Mas o que é isto? Sinto o meu sangue a escorrer, quente, vivo. Dói. Olho para o humano, preciso de ajuda. E ele corre até mim, com aquele pau afiado na mão. Sinto a pele a furar e o sangue mais uma vez, colorindo de vermelho o meu dorso. Fujo! Mas para onde? Olho em volta, grito por ajuda! Mas os humanos, sentados, batem com as mãos. Parecem... contentes. Ninguém? Mas será que ninguém me vem ajudar a tirar este louco daqui? Que mal lhe fiz eu? Já sei, talvez este seja o castigo por ter feito xixi na água limpa. Desculpa! Mas tira-me daqui por favor!

Ele volta a atacar. Vou contra ele, que alternativa tenho? Ele desvia-se e espeta-me outra vez com aquela arma. Eu não tenho cavalo, nem arma. Nem escolha. E as facadas continuam. O meu coração palpita de dor, a minha saliva cai, quente. Foi para aqui que trouxeram os meus amigos? Esperem! Um grupo de humanos acaba de entrar! Até que enfim alguém vem prender o meu assassino. Porque se estão eles a virar na minha direcção? Olho para o humano a cavalo, como que a denunciá-lo, mas eles parecem não querer saber. E correm. Agarram-me. Tocam-me nas feridas, rasgando ainda mais aquilo que resta do meu dorso. 




As minhas pernas rendem-se. E caio. Sem perceber. Respiro agora o pó daquele chão. Cheira ao meu pai. Olho em redor... Os humanos já não estão sentados, aplaudem de pé. Fazendo de um assassino um herói. O mesmo humano que diz respeitar os animais. Como poderia adivinhar? A mentira não faz parte da nossa raça. 

 Espero que me matem em breve. Recordo a minha casa pela última vez. O cheiro a erva fresca devido ao orvalho. Arrastam-me e eu deixo-me levar de boa vontade. Que ser é este que mata por prazer? Que paga para me ver morrer? Se algum dia voltar a nascer, por favor meu Deus, não me faças viver no mesmo mundo que esta espécie. 

3 comentários:

  1. Fantástico texto.
    Muito grato pelo seu contributo.
    Bem haja!

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    1. Obrigada João. Infelizmente esta é uma realidade no nosso país e o meu coração chora de impotência. Talvez um dia...

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  2. Eu não consigo, simplesmente não consigo jantar como deve ser sempre que há touradas no Campo Pequeno..as que sei por este pais fora.
    Tenho por hábito ir lá tambem mdar voz áqueles que não conseguem falar...só ter uma dor atroz para prazer de vários cobardes que estão na bancada a aplaudir.
    Sinto-me impotente, incapaz, mas hei-de lutar com o que tenho, dar voz a eles, no trabalho, em casa junto dos amigos e não só, tentar chegar ao maximo de pessoas que conseguir.
    Perdoa-me animal lindo, maravilhoso...perdoa-me touro.

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