domingo, 30 de abril de 2017

Quando a bondade se transforma em amor...

Lá estava ela, a passear na minha rua. Já há mais de um ano que ela por ali passava. Pequena, tímida... Olha para mim como quem olha para alguém que a pode magoar, ferir. Eu, como sempre, deixo-lhe o jantar no sítio do costume. Olho para ela novamente, mas ela está demasiado ocupada a lamber a patinha. Viro-lhe as costas e continuo para o meu mundo, deixando-a lá. Assim que me distancio ela avança para a ração que lhe deixei e lambuza-se com tamanha refeição. 

Foi assim todos os dias, durante meses e meses. Eu olhava para ela, ela olhava para mim. Se dava um passo em frente, ela dava dois para trás. Se lhe sorria, ela continuava simplesmente a olhar para mim. Se lhe estendia a mão, ela fugia. Se por um lado me sentia ofendida por ela não confiar em mim, por outro que razões tinha ela para confiar num ser humano? Que sabia eu do seu passado, das suas experiências?

Até que um dia ela passou por mim, a coxear. Tinha uma ferida na perninha e fixou-me com os seus olhos grandes, e naquele dia tristes também. Dei-lhe a comida como sempre. Virei-lhe as costas como sempre. Mas nesse dia o peso nas minhas costas era maior. Era culpa. Culpa por a deixar ali, sozinha. Nunca a vi com outros gatos. Sempre sozinha. Fraca.

Fui para casa e decidimos telefonar a um amigo, cuja missão é resgatar gatos. Ele emprestou-me uma armadilha, um tubo comprido feito de ferro, com um pedal no meio que ela teria de pisar para que a porta de metal se fechasse e a mantivesse presa nesse tubo, de ferro. Ele disse-me: "Se ela não pisar o pedal, acerta com uma sapatilha na armadilha e a porta fecha-se imediatamente.". Assim aconteceu por duas vezes: ela entrou, ela não pisou o pedal, eu tentei acertar-lhe com uma sapatilha. Mas como a minha pontaria é tão boa como o meu chinês, o pior aconteceu. De repente eu era simplesmente a humana que lhe tentava acertar com sapatilhas! 

Foi então que o Lu teve uma ideia: entrelaçar um fio em volta da peça de metal que despoleta o fechar da porta e esperar dentro do carro que ela entrasse pela armadilha adentro. Então nós esperámos no carro, e esperámos.... Esperámos um total de 22 horas, dentro do carro, ao sol. Ela já não confiava na armadilha, quem a poderia censurar? E foi ontem que ela entrou novamente. Três patas lá dentro, uma cá fora... A minha respiração ofegante dentro do carro. A última pata, preguiçosa, lá entrou também. O fio foi puxado. A porta de metal fechada. 



Ela ia agora no meu carro, para o veterinário. Removeram-lhe dentes, as feridas foram tratadas. Perdi a conta ao número de injecções. Três horas mais tarde passava na rua que sempre conheceu, mas desta vez numa caixinha que eu segurava. Desta vez não lhe virei as costas deixando-a lá, entrou também na minha casa. Agora nossa. Ela ainda não me deixou tocar-lhe, e os seus olhos estão agora tristes. Ela está mais assustada agora do que nunca. Ela ainda não sabe, mas daqui a uns meses será uma princesa. A tristeza no seu olhar transformar-se-á em alegria, conforto, mimos e mais mimos. Ela ainda não sabe, mas eu já sei. E por isso as minhas costas estão hoje leves como uma pena.

1 comentário:

  1. Tem tanto de comovente como de belo!
    Essa gatinha vai sentir-se grata todos os dias e vai amar-vos muito :))
    Continuem a fazer "dessas coisas"!

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